segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

VIDA GLOBANDIDA
STJ DECIDIRÁ VENDA
DA TV GLOBO

Família Ortiz Monteiro tenta retomar controle da antiga Rádio e Televisão Paulista S/A

BRASÍLIA - O ministro João Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), aceitou o agravo de instrumento interposto pelo advogado Luiz Nogueira, em nome da família Ortiz Monteiro, contra a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que indeferira a subida de recurso especial apresentado contra acórdão julgando prescrito o processo contra a família de Roberto Marinho para retomada do controle acionário da TV Globo de São Paulo (ex-Rádio e Televisão Paulista S/A).

Cabe agora aos ministros da 4ª Turma do STJ decidir sobre a validade e a legalidade da transferência do controle acionário da TV Globo de São Paulo para o empresário Roberto Marinho, obtida por meio de recibo em valor equivalente, à época, a apenas US$ 35 (trinta e cinco dólares) e por meio de procurações fotocopiadas em nome de acionistas falecidos, consideradas enganosas pelos herdeiros dos antigos controladores daquela emissora.

Esses documentos foram tidos como apócrifos e montados, segundo laudo do Instituto de Datiloscopia Del Picchia, já que os originais estariam desaparecidos. Com datas de 5 de dezembro de 1964 e 23 de julho de 1975, os documentos têm idêntico teor. Nas procurações, datadas de 1953 e 1964, estão inadvertidamente anotados os números de CPF dos representantes de Roberto Marinho, com endereços falsos.

Assim, a existência de fraude nessas procurações ficou mais do que comprovada, pois o cadastro de controle da Receita Federal, conhecido como CIC ou CPF, só foi instituído na década de 70 - portanto, era inexistente em 1953 e 1964 e jamais poderia ser inserido em procurações com fins específicos.

Erro judiciário

Apesar da abundância de provas sobre a falsificação dos documentos e outras ilegalidades, os herdeiros dos antigos controladores da emissora paulista acabaram derrotados em primeira e segunda instâncias no Judiciário do Rio de Janeiro, por alegada "prescrição de seu direito de ação".

Representados pelo advogado Luiz Nogueira, eles então interpuseram um recurso especial, indeferido pelo desembargador Celso Guedes, vice-presidente do Tribunal de Justiça, que assim deu por sepultada qualquer nova discussão sobre a complexa matéria no Judiciário do Estado do Rio de Janeiro.

Segundo o acórdão do TJ fluminense, os possíveis direitos dos autores de uma ação anulatória já estariam prescritos em 20 anos, conforme estabelecido no artigo 177 do Código Civil.

Ocorre que a ação proposta pela família Ortiz Monteiro não era anulatória nem objetivava a invalidação de atos jurídicos, como decidido pela Justiça do Rio.

Na verdade, tratava-se de uma ação declaratória da inexistência de ato jurídico na suposta venda do controle acionário da TV Globo de São Paulo para Roberto Marinho e não uma simples ação anulatória, como equivocadamente ficou decidido pelo Judiciário do Rio de Janeiro. Portanto, configurou-se claramente a ocorrência de um surpreendente e patético erro judiciário no acórdão do Tribunal de Justiça fluminense, que julgou uma ação declaratória de inexistência de ato jurídico como se fosse uma ação anulatória.

Processo teve 80 folhas arrancadas

Nos autos da ação, que soma cerca de 5 mil páginas e agora tramita no STJ como recurso especial, a própria família Marinho destaca que nada comprou da família Ortiz Monteiro (confirmando a pertinência do processo visando à inexistência desse ato jurídico), já que Roberto Marinho teria adquirido a Rádio Televisão Paulista S/A, em 9 de novembro de 1964, de Victor Costa Júnior, que, de acordo com documentos do Ministério das Comunicações, nunca foi acionista da emissora.

Além disso, no processo administrativo federal de homologação da transferência do controle da TV Globo de São Paulo para o jornalista Roberto Marinho - existente no Ministério das Comunicações e com numeração flagrantemente irregular, porque cerca de 80 folhas foram arrancadas - não constam o instrumento particular de compra firmado com a família Victor Costa nem as procurações de acionistas falecidos e de seus respectivos herdeiros, as quais outorgariam poderes para que se procedesse à cessão de 52% do capital social da família Ortiz Monteiro para o novo acionista controlador.

Da mesma forma, o remanescente do capital social da ex-Rádio Televisão Paulista S/A (48% das ações), distribuído entre mais de 600 acionistas minoritários, dados pelos atuais controladores do canal de TV como mortos, desaparecidos ou desinteressados, também foi transferido para Roberto Marinho (novo titular dos 52% das ações), por intermédio de funcionários-diretores representantes do comprador, e a custo zero, ou melhor, a um cruzeiro por ação, isto em maio de 1977, quando a emissora em questão já alcançara valorização estratosférica.

Falsificações

Essa suposta manobra societária já foi alvo de investigação por parte do Ministério Público Federal (MPF), face a uma representação de iniciativa do ex-deputado estadual e radialista Afanasio Jazadji, tendo sido destacado pela Procuradoria Geral da República, em 25 de abril de 2003, que "à luz dos fatos exaustivamente narrados no feito, temos, em apertada síntese, que houve, na década de 60, transferência ilegal do controle acionário da atual TV Globo Ltda., visto ter a negociação se baseado em documentação grosseiramente falsificada".
"Resta, pois, investigar suposta ocorrência de irregularidade administrativa na transferência do controle acionário da emissora, visto a necessidade de autorização de órgão federal. Tal como se deu, esteado em documentação falsificada, o ato de concessão estaria eivado de nulidade absoluta. Em sendo assim, responderia o órgão federal responsável pela sua outorga por negligência - na medida em que se limitou a condicionar a concessão para funcionamento à regularização do quadro societário da empresa" -, assinala o parecer do Ministério Público Federal.

Em decorrência da aceitação do agravo de instrumento interposto pela família Ortiz Monteiro contra a TV Globo Ltda. e o espólio de Roberto Marinho, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro deverá remeter ao Superior Tribunal de Justiça, nos próximos dias, os 20 volumes da ação declaratória de inexistência de ato jurídico (e não de uma suposta ação anulatória, como decidido pelo Judiciário do Rio), para que um novo julgamento seja proferido pelo STJ, conhecido como o Tribunal da Cidadania.

Nulidade

Procurados para comentar a decisão do STJ pela reportagem da TRIBUNA DA IMPRENSA, único jornal a cobrir o andamento da importante ação, os herdeiros dos antigos controladores da ex-Rádio Televisão Paulista S/A (hoje, TV Globo de São Paulo) não quiseram dar entrevista. O advogado deles, Luiz Nogueira, limitou-se a reiterar o que já foi assinalado pelo Ministério Público Federal, reafirmando que "o ato de concessão ou de transferência do controle acionário da emissora, quando lastreado em documentação irregular, está eivado de nulidade absoluta, portanto, passível de anulação a qualquer tempo".

O defensor da família Ortiz Monteiro adiantou, ainda, que será encaminhado à Superintendência da Polícia Federal, à Corregedoria Geral da União, ao Ministério das Comunicações e às Comissões Técnicas do Congresso Nacional, para as providências cabíveis e obrigatórias, um dossiê completo, com peças extraídas dos autos do recurso especial, sobre as irregularidades e ilegalidades praticadas na viabilização da transferência do controle acionário da ex-Rádio Televisão Paulista S/A para seus novos controladores, apontadas em diversos laudos técnicos, entre os quais o relatório do Instituto Del Picchia de Datiloscopia e pareceres da Procuradoria da República em São Paulo.

No entender de especialistas em legislação de telecomunicações, a comprovação da transferência ilegal do controle acionário - no caso, configurando juridicamente um ato nulo na origem - põe em risco até mesmo a homologação do pedido de renovação da concessão em favor dos atuais concessionários e que vem sendo examinado pela administração federal.


POST POST

A reportagem é de Carlos Newton. O carteiro descobriu na Tribuna da Imprensa de hoje (18/02).
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