sexta-feira, 28 de maio de 2010

GEO-PÓ-LÍTICA
SANTA CRUZ DE LA SERRA

O candidato tucano José Serra perdeu o rumo, o prumo e a noção das coisas. Acostumado a construir seu discurso a partir de pesquisas de opinião, que descobrem o que o eleitor gostaria de ouvir para se decidir a votar em determinado candidato, Serra não mediu as conseqüências de suas palavras em relação ao governo boliviano. Isso mostra sinais de avançada decomposição dialética e retórica de seu discurso. 
Marx havia dito que “uma classe que pretende consolidar o seu domínio não pode aceitar a concepção dialética sob pena de se condenar ela própria a morte”.

Nunca antes na história deste país um candidato provou essa tese com tanta eficiência.

Serra declarou: “Você acha que poderia entrar toda esta cocaína no Brasil sem que o governo boliviano fizesse pelo menos corpo mole? Acho que não”.

Partindo dessa premissa, podemos devolvê-la na mesma moeda:

Será que poderia haver a crackolândia em São Paulo sem que o governo Serra fizesse corpo mole? E atentados do PCC? E assassinatos de motoboys diante de suas mães? E violência policial? E inundações acompanhadas de falta de assistência aos atingidos? E quedas de vigas do rodoanel provocadas pela qualidade suspeita do material utilizado, potencializadas pela pressa em tornar a obra visível para uso na propaganda eleitoral?

Serra esqueceu algo mais importante ainda, no que diz respeito ao senso comum dos brasileiros. Dois preceitos bíblicos de domínio público. Atire a primeira pedra, de crack neste caso, quem não tiver governado a crackolândia e quem veio do pó ao pó vai ser devolvido.

A candidatura de Serra está perdida dentro da nuvem de pó levantada pelos seus próprios movimentos em círculos, sem saber o que fazer para reverter o quadro amplamente favorável à candidatura de Dilma.

A origem do pó na campanha de José Serra foi revelada aqui no blogue Cloaca News.


Editado dia 30 de maio às 18h36min.

 .
ESCRITA CERTA 
POR LINHA RETA

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.


E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,

Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.


Toda a gente que eu conheço e que fala comigo

Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...


Quem me dera ouvir de alguém a voz humana

Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,


Arre, estou farto de semideuses!

Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?


Poderão as mulheres não os terem amado,

Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.


POST POST


Não poderia haver melhor postagem de retorno de um carteiro de poeta do que esse Poema em linha reta assinado por Fernando Pessoa, inspirado pelo "espírito" Álvaro de Campos. 
Até porque ele transmite com fidelidade literária e metafórica as experiências vividas na carne por este reles carteiro nos últimos anos.

Eu volto determinado a ser mais agressivo com os pragmáticos com pinta de politicamente corretos, disposto à luta com os críticos teóricos que não assumem a responsabilidade pelo suposto resultado de suas verdades absolutas.

Mas não se enganem. Eu levo desaforo para casa. E ofereço a outra face. Quem não leva desaforo para casa, não tem casa, tem esconderijo. Quem responde a ofensa com outra ofensa, não acredita que outro mundo é possível. Na verdade, quer o mesmo mundo velho cheio de fronteiras para os outros, desde que seus privilégios diplomáticos sejam garantidos.

Não estou falando só da velha e da nova direitas deste país. Falo também da direita que vive dentro da esquerda, sob máscaras retóricas.

Agora, só acredito em homens capazes de suportar o que o povo suporta, como Lula. E em mulheres como Dilma, que saem da tortura para entrar na história.

Não acredito mais em quem só comprova o que diz em laboratórios acadêmicos ou pesquisas por amostragem.

Enfim, o carteiro do poeta está de volta por linhas tortas e retas.
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quarta-feira, 19 de maio de 2010

HILLÁRYA
GOL DE PLACA 2: HILLARY CUSPINDO FOGO


Depois do baile que levou no fim de semana da dupla Luis Inácio – Celso Amorim, a Secretária de Estado Hillary Clinton está cuspindo fogo pelos olhos, nariz, ouvidos e garganta.

Brandindo a palmatória contra os invasores de seu jardim – Brasil e Turquia – aproveitou para realinhar em torno de si as crianças do seu jardim de infância, algumas das quais  ameaçavam juntar-se aos “neófitos” invasores.

Atropelando a diplomacia, requentou a série de sanções econômicas contra o Irã, e apresentou-as em nome do seu Clube dos 5 + 1 (EUA, Reino Unido, França, Rússia e China, mais a Alemanha) ao Conselho de Segurança da ONU, que agora deverá debater a questão.

Mas seu movimento denota algumas frinchas. Primeiro (ver artigo do Wall Street Journal, por Peter Spiegel, Jay Solomon e Joe Lauria), teve de abrandar a versão mais dura, que previa sanções no setor energético, justamente as que a China e Rússia mais recalcitravam em propor. Restringiu-se a questões de armamento, transporte (sob alegação do risco de transporte de armas) e financeiras, envolvendo instituições que estivessem sob suspeita de envolvimento com importação de armas.

Segundo, deixou claro que seu movimento tem também um componente interno, em momento em que os EUA vão rumo a eleições para o Senado em novembro, quando a maioria democrata estará sob risco. Nesses termos, o esforço de Hillary pode ser também o de manter em seu jardim os falcões norte-americanos, que, diante do acordo com a Turquia e Brasil, praticamente já pediam uma intervenção militar de Israel contra o Irã (ver editorial do mesmo WSJ em 17/05/2010).

Por trás dessa pressa em desacreditar a via diplomática negociada e sustentar a via das sanções, está também o esforço de demonstrar a hegemonia norte-americana sobre a região do Oriente Médio. Além disso, há o esforço continuado de impedir o crescimento regional do Irã – não apenas na sua alegada vontade de criar armas nucleares – mas no âmbito energético e econômico.

Se olharmos para o mapa da região, o Irã não sai tão mal na foto. Em primeiro lugar, alegar falta de democracia (e não tenho a menor simpatia pela “república islâmica”, nem por qualquer outra que se baseie em discriminações étnicas, religiosas, culturais, etc.) para colocar o Irã no pelourinho é de uma hipocrisia sem limites. Onde está a democracia na Arábia Saudita, no Egito, no Kuwait, no Iraque, no Afeganistão, no Paquistão, que, no entanto, são muito bem recebidos no regaço do governo norte-americano?

Em segundo lugar, o Irã, controlado pelo Conselho dos Aiatolás (cujo crescimento político, aliás, teve uma ajuda do Ocidente lá atrás, quando eram vistos como uma alternativa à esquerda e à “ameaça soviética”), é um perigo regional em termos econômicos. Algumas comparações com países da região mostram o potencial iraniano de “desestabilizar” a “pax romana” dos Estados Unidos, que mantém mais ou menos sob controle quase todos o Oriente Médio. As cifras monetárias absolutas estão em US$.

População: Irã 66,4 milhões; Arábia Saudita, 26,6 mi, Egito, 78,8 mi.

PIB: Irã, 335,7 bilhões, Egito, 190,2 bi, Arábia Saudita 384 bi. Mas se pularmos para o critério PIB/purchasing power parity, que situa as cifras num grau comparativo em escala mundial, como se todos os países fossem nivelados numa única cotação de valores, esses valores iriam para: Irã: 876 bi; Egito: 471,2 bi; Arábia Saudita: 585,3 bi. Para termos uma idéia, o PIB brasileiro no critério absoluto (também chamado de official exchange rate, é da ordem de 1,499 trilhões de dólares; no comparativo (ppp), 2,02 tri.

Razão Dívida Pública/PIB: Irã, 19,4%; Egito, 79,8%; AS, 20,3%.

População abaixo do nível de pobreza: Irã, 18 %, Egito 20 %, AS, s/d.

Taxa de alfabetização: Irã, 77% (Homens: 83,5%, Mulheres, 70,4%); Egito, 71,4% (H: 83%; M, 59,4%), AS, 78,8 % (H, 84,7%; M, 70,8%).

Razão investimento em educação/PIB: Irã, 5,1%; Egito, 4,2%; Arábia Saudita, 6,8%.

Para não ser acusado de “parcialidade”, usei dados do “World Factbook”, da CIA norte-americana; um dado me pareceu defasado, o da população iraniana, que, em outras fontes, aparece como de 70 milhões ou até de 75. Mas para ser coerente, mantive na tabela comparativa o número da CIA. Pode-se comparar esses números e cifras com os do FMI e do Banco Mundial, por exemplo: as variações serão pequenas, e a escala comparativa entre os países continua muito semelhante.

De um modo geral, a economia egípcia é descrita como um pouco mais diversificada do que a iraniana, e esta, bem mais do que a saudita. Composição do PIB:

Egito: agricultura, 13,1%; indústria, 37,7%; serviços, 49,2%.
Irã: agr., 10,9%; ind., 45,2%; serv. 43,9%.
AS: agr. 3,3%; ind., 60,8%; serv., 36,4%.

Embora dependa das exportações  de petróleo e derivados, a produção industrial do Irã é descrita como em processo de diversificação, e também se aponta no país uma classe média emergente – o que representa um problema político para a república islâmica dos aiatolás.

Ou seja, um Irã desalinhado, que pode se tornar uma superpotência energética e uma potência econômica de médio alcance, é um perigo para a “pax romana” liderada pelos EUA, ainda mais que o país detém a segunda reserva de petróleo do mundo.

O petróleo é também um motivo histórico de conflito entre o país e o ocidente. Em 1951 o governo nacionalista de Mohammed Mossadegh promoveu a nacionalização da indústria do setor, o que enfureceu particularmente os britânicos. Estes tentaram arrastar a ONU numa tentativa de derrubada do governo. Não conseguindo, voltaram-se para os EUA, que consentiram e promoveram, com a “Operação Ájax”, a deposição de Mossadegh. Essa foi também a primeira vez em que os EUA admitiram abertamente a participação num golpe de estado em outro país, embora já tivessem contribuído para a derrubada de governos, sobretudo na América Latina e Caribe.

Toda essa folha corrida mostra que a fúria de Hillary tem razão de sobra para existir. E que a questão vai longe.

POST POST

O artigo do Flávio Aguiar foi reproduzido do Blog do Velho Mundo.