quarta-feira, 5 de março de 2008

ECO DO EGO
QUANDO A ESQUERDA ENDIREITA

O mais paradoxal na dialética da vida (aquela que não pode ser corrompida pela retórica) é quando a esquerda cai na armadilha da direita: a dependência cultural de heróis, personalidades e do individualismo em detrimento da construção coletiva e do despreendimento pessoal, ou seja, do comprometimento com a classe que diz representar.

É tão difícil perceber que esses são os pilares do capitalismo?

Ainda por cima, são lâminas afiadas nas mãos dos conservadores (aqueles que têm o que conservar, incluindo coisas materiais e imateriais, objetivas e subjetivas, além de certas carreiras políticas, acadêmicas e profissionais, ou tudo ao mesmo tempo) usadas como armas letais no aniquilamento da reputação do adversário reduzido a um só-cialista.

Estão faltando marxistas no marxismo: pessoas que traduzam com suas próprias vidas as idéias que defendem para que o chamado senso comum (expressão muito conveniente para os acomodados) compreenda e seja protagonista no desenvolvimento de sua própria consciência crítica, sem virar dependente químico e psíquico de mandatos-muletas.

Por que nossas ruas e locais públicos levam o nome de pessoas e não das causas pelas quais essas pessoas (e as outras, as que não aparecem na foto oficial) lutaram, com raras exceções?

O exército de um homem só luta contra seus inimigos interiores, nada mais. Ninguém faz nada sozinho, essa é a grande diferença entre ser de esquerda e ser de direita.

A direita é um exército de homens sós lutando contra seus pesadelos imaginários, sonhando sonhos diferentes uns dos outros, exclusivos. Dom Quixote que o diga, Cervantes tarde do que nunca.

A esquerda é um exército de homens sonhando juntos, acordados, o mesmo sonho: transformar o pesadelo real criado pelos sonhos diferentes dos homens sós, derrotados por eles mesmos, em sonhos iguais, inclusivos, construídos por todos ou, pelo menos, pela maioria.

Mas certos teóricos de esquerda só ficam na platéia quando estão no palco, seguindo o roteiro que eles mesmos escrevem e não abrem mão do aplauso ou da vaia. Essa, ao que parece, é a única democracia que oferecem aos "protagonistas" figurantes: aplaudir ou vaiar.

Raras vezes ou nunca trocam de lugar com eles.

Alguns, inclusive, participam do espaço democrático e republicano que é a internet como professores avaliando alunos.

Contra isso eu grito: carteiraço na blogosfera, não.

Aqueles que tiveram acesso ao conhecimento construído pela humanidade e guardam para si, incapazes de compartilhar o que receberam de graça (mesmo o ensino pago é um espaço público oferecido pela sociedade, que o sustenta com seus impostos ou sacrifícios), são tão conservadores quanto as oligarquias rurais financiadas com recursos públicos, sem prestação de contas ou contrapartida social.

A figura retórica da geração de emprego ou produção intelectual, apresentada aos ingênuos, nem se compara com a verdade dialética do lucro ou do status quo que usufruem.

Como diz Tetê Catalão: "Se é do eu é céu, se é do ego é cego".

Há mais contradições para trazer à tona, pelo menos do ponto de vista de alguém que não passou para o outro lado, o lado das celebridades de direita ou de esquerda, e por isso representa em parte a parte que sustenta esse debate com o seu anonimato, tão útil quanto desprezada: o povo.

Por essas razões sou muito mais nós. É nossa única chance de mudar esse quadro antigo.

O resto é shareware: o usuário pode instalar, testar e se quiser continuar utilizando deve comprar a licença de uso para receber o serial que destrava o software, inacessível para pobres diabos.

Pelas mesmas razões, respeitando todos que pensam diferente, não entro nessa corrida inútil de prêmio Ibest e tal: não voto em saite algum e nem entro na correria.

Embora valorize e respeite o trabalho dos militantes da blogosfera de esquerda e os independentes.

Acho que os blogues não devem terceirizar seu papel, que é divulgar, reproduzir e multiplicar constantemente uns aos outros no combate ao PUM do PIG. Uma autêntica construção coletiva.

Tem muita gente perdendo mais tempo pedindo voto do que prestando atenção nos outros.

Essa lógica é conservadora: the best, o mais acessado, o melhor, o rei da rede, o campeão e etc.

É como aquelas eleições de rainhas estudantis que arrecadam fundos para as escolas, nas quais quem vende mais votos vence.

Até nisso a direita leva vantagem e nos bota no bolso.

Deixo isso para quem vive e se alimenta da competição sem perceber que acaba vendo os outros como concorrentes e não como companheiros.

É assim que eles nos dividem e mantém ocupados enquanto fazem das suas longe das nossas vistas, soltos de pata, como se diz no Rio Grande.

Nada substitui a diversidade e a pluralidade.

Não quero ser mais ou menos que ninguém.

Tô fora dessa corrida maluca.

Chega de ser pautado pela direita.

Atualizado às 16h39min de quinta-feira, 6 de março de 2008.
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3 comentários:

Guga Türck disse...

Cara, publiquei este texto na íntegra lá no Alma.
Sei que pode parecer paradoxal, vide: "Acho que os blogues não devem terceirizar seu papel na divulgação dos outros e na multiplicação das informações no combate ao PUM do PIG."; mas achei importante.

Há braços.

Carlos Eduardo da Maia disse...

Não existe essa história de que o discurso, a humanidade, os homens e as mulheres são pautados pela direita ou pela esquerda, pela religião, pela ideologia, pela individualidade ou pelo coletivo, pela Yeda, pelo Olivio, FHC, Uribe ou Chávez. Tudo é muito mais complexo do que isso. De fato, tudo isso é pautado por interesses. Quais interesses? As pessoas são pautadas pelo que vem a frente, pela diversidade, pelo pluralismo, pela complexidade, pela perplexidade. Que mania é essa de sempre querer colocar os pingos nos is, na geografia de um maniqueísmo infantil. O direitoso, então, é aquele que elogia o egoísmo, o eu, o ego singelo. O esquerdista é o que aposta em "nosotros", o bonde dos sonhos de todos nós. Como se assim caminhasse a humanidade. Mas nada disso ocorre no mundo que estamos embutidos. O mundo melhor e possível não é do maniqueísmo ideológico (ser de direita e esquerda, fhc ou lula, olívio ou yeda), da revanche, da inveja, da imposição ideológica, mas da convergência e o respeito à divergência e à diversidade. O mundo melhor e possível não é o do enfrentamento, mas do consenso. Não é o mundo do capital e nem o mundo do trabalho. É o mundo do diálogo, do pacto, do acordo e sua tentativa. É equivocado pensar a humanidade como uma legião de soldadinhos de passo certo que marcha corretamente para orgulho de uma elite política que acredita e que impõe a religião de que somos todos iguais e esconde -- debaixo dos porões dos tapetes -- a falta de liberdade e de opção. É por isso que os regimes sintéticos e artificiais ruiram e se desmoronaram como castelos de carta. Apenas as ilhas alimentadas pelo turismo do capital sobrevivem. Existem fatos como o mercado que são sociais e que não podem ser menosprezados ou desprezados em nome de uma doutrina ilusória e idealista. Mas mercado não é deus. Como diz o filósofo Luc Ferry o velho materialismo histórico deu lugar a um idealismo determinista, mas que é indeterminado. Sorry por pensar assim. Ando lendo muito Nietzsche ultimamente e não - n u n c a - estarei além do bem e do mal.

Carlinhos Medeiros disse...

Eduardo, confesso que às vezes sou meio covarde. Via as campanhas dos colegas blogueiros independentes pedindo votos pelo amor de Deus, até em sítios de peso como o Vermelho, concorrendo a essa porcaria, e não tive coragem de escrever uma linha sequer sobre isso, com medo de melindrar alguém.
Parabéns pelo texto e pela coragem. Há tempos que tirei da bodega os medidores de audiência, vaidade torpe.
Vou lincar no post de hoje na bodega.

Bom feriado, boa páscoa!